Livro infantil apresenta Mazzaropi e discute arte popular com crianças

Era um acontecimento.Os ônibus vinham lotados dos bairros mais distantes até o largo do Paissandu, no centro de São Paulo, onde os passageiros desciam e esperavam na calçada mesmo, em pé, em frente ao Cine Art Palácio.A maior parte deles nem conseguia ingressos para entrar naquele que era um dos principais cinemas de rua da […]

Livro infantil apresenta Mazzaropi e discute arte popular com crianças

Era um acontecimento.Os ônibus vinham lotados dos bairros mais distantes até o largo do Paissandu, no centro de São Paulo, onde os passageiros desciam e esperavam na calçada mesmo, em pé, em frente ao Cine Art Palácio.A maior parte deles nem conseguia ingressos para entrar naquele que era um dos principais cinemas de rua da época. Estamos entre os anos 1960 e 1970, quando o Cine Art Palácio costumava levar centenas de espectadores a um quadrilátero que estava longe de ser o espaço degradado que conhecemos hoje -ao contrário: a praça pulsava com produtoras e cinemas, caso do próprio Palácio e do Cine Ouro, que antes se chamava Bandeirantes. Ambos estão atualmente fechados, e o segundo deles chegou a se tornar um estacionamento.

Mas naquela época não era bem assim. E as pessoas atravessavam a capital para ver principalmente um nome: Mazzaropi, que arrastava multidões a cada lançamento de filme e tinha a sua produtora, a Pam-Filmes, no próprio largo. Mazzaropi tornou popular a figura do caipira no cinema brasileiro, principalmente com o preguiçoso Jeca. Nos lançamentos de seus filmes, quem não conseguia bilhetes ficava na porta do cinema, esperando a chegada do artista. Sempre atento aos fãs, já era certo que, antes de o longa ser exibido, ele subiria a um pequeno palco, apresentaria o elenco do longa e daria um breve show, numa espécie de avô do stand-up, com velhas piadas e músicas antigas.

É essa figura e esse lado popular do cinema que o livro “Mazzaropi – Um Jeca Bem Brasileiro” apresenta para as crianças.
Escrito por Dílvia Ludvichak, com ilustrações de Luciano Tasso, o título faz quase uma escavação de um personagem cujos filmes são cada vez mais difíceis de serem vistos. Um diretor que, das suas 34 produções, 26 foram feitas por ele mesmo, a partir da década de 1950 -sempre com relativo sucesso popular, alguns quebrando recordes de bilheteria (estima-se que 206 milhões de pessoas viram os seus filmes)

E, mesmo assim, ele quase sempre foi ignorado ou avacalhado pela crítica da época. “O zé povinho sabe bem o que quer, e o reflexo disso são os recordes de bilheteria de meus filmes, que são chamados de fitinhas e não vão a festivais”, costumava dizer Mazzaropi.

Em ordem cronológica, o livro conta em versos rimados a vida do cineasta. Mostra a mudança de seus pais para o interior, quando ele ainda era criança. Passa pela infância no mato, comparada à de Monteiro Lobato. Conta brevemente a criação do personagem Jeca Tatu e fala de uma certa valorização do jeito interiorano como seu projeto artístico -em certa medida, um contraponto à maneira como o Jeca é visto hoje: um personagem caricatural e preconceituoso com os moradores do interior.

No fim, há ainda um glossário com curiosidades e a filmografia de Mazzaropi, para quem quiser conhecer mais sobre o diretor.
Mas mais do que a iluminação de uma figura que ainda hoje é controversa dentro do cinema brasileiro, o livro traz uma reflexão sutil, mas poderosa: como a crítica deve tratar a arte essencialmente popular? No caso de Mazzaropi, a imprensa e o mercado simplesmente torciam o nariz ao analisar seus filmes, linguagem, montagem, estrutura. E eram incapazes de compreender o que levava milhares de pessoas ao largo do Paissandu, após horas de transporte público, só para chegar perto daquela figura.

“Falam mal de mim. Só quero ver quando eu morrer. Daí vão fazer festivais com os meus filmes, e tem gente que é capaz até de falar que fui um gênio. Quer saber? Deixa pra lá. Quando eu morrer, isso já não terá nenhuma importância”, disse certa vez o diretor. Mazzaropi morreu em junho de 1981, há 38 anos, depois de ficar internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, para tratar um câncer de medula. Tinha 69 anos. De lá para cá, a pergunta sobre a maneira de encarar a arte mais popular ainda não foi respondida. Mas já há quem diga que ele foi um gênio.

“MAZZAROPI – UM JECA BEM BRASILEIRO”
Autora: Dílvia Ludvichak
Ilustrador: Luciano Tasso
Editora: Paulus
Preço: R$ 29 (2018, 32 págs.)
Leitor intermediário + leitura compartilhada

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